sexta-feira, 24 de julho de 2015

Observatório - Temporada 2012/1


Obras do Autor em seu Sexagenário de Vida:
1 – Coleção Vermelha
2 – Coleção Azul
3 – Coleção Verde

COLEÇÃO AZUL:

I – QUESTÃO ENCANTADA – Poemas (1975 – 1984)
II – SOBRAS – Poemas (1976 – 1984)
III – KANTOS – Poemas (1985 – 1995)
IV – POETAR – Poemas (1996 – 1999)


OBSERVATÓRIO
(PROSAS EM VERSOS)

TEMPORADA 2012/1:

Evolução Seletiva

Pensei  ter visto uma garça  branca
Passar por minha janela no 6º andar
Mas não, era uma sacola de plástico
Que passou batendo alças no vento
Buscando seu viveiro de lixo seletivo
Para fugir do venenoso chorume do lixão.
02/jan/2012

O CALDEIRÃO DA BRUXA

O cérebro é um permanente caldeirão
Fervilhando pensamentos inconscientes
Que emergem aleatoriamente na consciência
Como um sopão de palavras e frases alucinadas
Na mente, coitada, que almeja a lucidez das fadas.
10/01/2012

O VÍCIO DE PENSAR

É preciso prestar atenção
Mais no que sem pensar se pensa
Do que no que se fala ou faz
Posto que se pensa o tempo todo
Muito mais do que se faz e fala
Pois, pensando bem, o vago pensar
É um entretenimento pra vida passar
Incólume, sem nela fundo se meditar
Pensar é viciante como a TV e o crack
E têm o mesmo efeito colateral
É preciso acabar com o vício de pensar!
                                  17/01/2012

CÃES QUE LADRAM

Um debate político
É como uma briga de cães
Ferozes pelo osso do poder
Osso que daria uma boa sopa
Para todos os animais da floresta
Se não fossem os cães famintos
De poder para ladrar...os cães ladrões.
17/01/2012

ABDUZIDOS
O unicórnio azul todo mundo sabe
É pena, mas não existe de fato
E assim, com palavras concretas
Descrevemos o abstrato imaginário
Tanto, que lá pelas tantas, nos perdemos
Misturando nossas ilusões com a realidade
Em credos rivais e partidos de crentes
Em raças e civilizações concorrentes
Até, por fim, sermos abduzidos.
25/01/2012

CONDOR NA VELHICITE

No limiar do portal dos sexagenários
A dificuldade maior é conviver com a dor
Não mais a do peso do mundo nos ombros
(Que é, conforme o Drummond, uma mão de criança)
E sim suportar a dor crônica da velhice
Às vésperas dos medicamentos de uso contínuo
(Para bursites, tendinites, artrites e outras “velhicites”)
Que marca o início do definitivo vôo do condor
Do alto da imponente cordilheira Ígnea e metamórfica
Para o raso da planície sedimentar da decrepitude.
12/02/2012

CUIDADO QUE MOLHA!
Como todo líquido molha
E toda lágrima de dor é líquida
Cuidado que dor molha!
Como cabeça cheia e quente
É oficina do diabo a derreter tudo
Cuidado que sofrer inunda
Como um tsunami a vida da gente!
17/02/2012
Golfinhos Rotadores

Os golfinhos machos se revezam
Para enfrentar os barcos dos turistas
E, na folga, podem namorar e descansar
E vários fazem cópulas sucessivas com a fêmea
De forma que ninguém sabe quem é pai de quem
Logo todos os machos são responsáveis pelos filhotes
Como o prescrito na filosófica República de Platão.
17/11/2014 (refeito)

O NEGRO GATO FÉLIX

Chegou como um negrinho ranhento de rua
Acuado na grade do jardim da entrada do prédio
Talvez achando que não havia mais remédio
Pra sina de abandono de quem é gato preto

Ao ver de vez suas sete vidas ameaçadas
Com suas grandes orelhas pontudas oriçadas
E seus arregalados olhos amarelos assustados
Parecia não estar entendo direito o seu destino:
- Em que corpo e em que mundo foi nascer?

Qual nada, foi acolhido de imediato no peito
Início do cerimonial grupal pra um nome receber
E, já como Félix, se apropriou do pequeno território
No apartamento de uma família do terceiro andar
Com janelas pra mirar de longe a rua de onde veio
Vista agora, com seus perigos, de um mirante seguro.

Porém gato também não quer só casa e comida
Quer dormir, diversão, fazer arte, carinho e sexo
Nem que, pra isso, tenha que voar pela janela...
Mas como gato não voa, só enxerga invisíveis voadores
Foi  preciso castrar-lhe as  excitadas asas suicidas
E tornar o Félix um sereno meditante monge budista.

Contudo, seguiu sem resistir à tentação da carne crua
Pela qual Félix era yogui: ficava de pé em duas patas
E seguiu sem abrir mão do carinhoso jogo de sedução
Com sua virgem gata Pitchuca, aos “amassos e lambeção”.

Dizer que só faltava falar, é preconceituoso
Pois que de fato o negro Félix falava tudo
Só não com a voz em falsete da dublagem
Com que traduzíamos seus significantes miados
Como ventrículos oralizando os seus pedidos.

Depois da fase de subir pelos armários de parede
E de fazer de bola a então “tartaruguinha” Rafaela
O Negro Gato Félix foi envelhecendo sobre o sofá
Nos observando no entra e sai de todos os dias
Como que criticando a insana correria humana
Até, idoso e doente, buscar reclusão debaixo da cama
Pra regurgitar a vida com os seus bigodes brancos
E ir morrer, quem diria gato de rua, numa clínica chic
Nos ensinando a elaborar o luto por um ser da família
E a conviver com a sua ausência em silenciosas 
                                                             lembranças. 
                                         
                                                    09/março/2012

A Mulher do Poeta

Estás com a cabeça nas nuvens?
Aterrissa, sacode as estrelas
Deste pano de prato e vem
Secar as montanhas de louças
Que lavei na cachoeira da pia.
22/05/2012

O MITO DA CAVERNA

Não sou eu que penso
Meus pensamentos efervescentes
É que me pensam
E me cansam de tentar escapar
Somos ficções de nossas mentes
Cativos na caverna de Platão
No mundo criado pelo nosso olhar.
24/05/2012

O FOGO DA FOME

A fome é fogo
É feita uma tocha
Ardendo na barriga
Flambando a esperança
Incinerando a paciência
Incendiando a vingança
E fervendo a violência.
24/05/2012

MILAGRE DO AMADURECIMENTO

Mesmo como natureza morta
uma fruta verde qualquer
amadurece longe do pé
pra servir, antes de apodrecer.
26/05/2012

 O GRANDE E O PEQUENO SONHO

Confesso que tenho chorado
Toda vez que volto ao canto operário
As Uvas e o Vento” do Neruda
Livro de poemas panfletários
Em que o poeta glorifica com arte
O Partido Comunista, Mao e Stálin
Menos pela beleza das metáforas dos versos
E mais pela grandeza do sonho socialista perverso
Que inspirou uma geração de artistas consagrados
Do arquiteto Niemayer ao escritor Jorge Amado
Na crença que iam resolver as dores do mundo.
Choro por perceber a mesquinhez do meu sonho
E da minha decepção com o Partido dos Trabalhadores
E por eu ser interesseiro, apenas pelo povo brasileiro.
Grandes sonhos universais: decepções colossais!
24/05/2012

ASSEMBLÉIA GERAL

Levante o braço
Quem é a favor
Da realidade nua e crua
Tal e qual ela é!...
Ninguém?
Nem eu.
E quem é contra?...
Todos, sem abstenções?...
Eu também.
Mas protestar pra quem?!
02/06/2012

 ARTESÃO DE POEMAS

Desde a mais teen idade pratico
Talvez por vício adquirido ou hábito
Provocado pelo intenso uso continuado
Ou por ter me socorrido em muletas
Pra decifrar as garatujas dos adultos
Talvez por pseudo ideologia militante
De quem quer fazer mas não prosa
Talvez pra povoar a solidão sozinho
Colhendo depoimentos de si próprio
Pra discernir os vultos que a vista
No escuro tanto amedrontam a visão
E assim ser meu (auto)psicanalista
Com integral dedicação ao (im)paciente

Desde a mais teen idade pratico
Como quem faz prosa em versos
Garimpando em vão raros minérios
Pra na bateia do poema captar a poesia
E desvendar por magia os mistérios
Da vida ardendo no cotidiano
Ferida de morte com rima rica
E revelar a alegria da beleza escondida

Desde a mais teen idade pratico
O artesanato de escrever poemas
A duras penas.
04/06/2012

AULAS MATINAIS DE LETRAS

Quando o dia desperta
Por trás dos morros de Viamão
Com a intensa luminosidade
De um quadro de Dali
Quando o sol tira
A cabeça pra fora
Da coberta do horizonte
Abrindo as cortinas de nuvens
Do final deste seco outono
Eu entro no Campus da UFRGS
E  gasto a manhã  tentando aprender algo
Não sei o quê e nem pra quê saber...
15/06/2012

SECA NO SUL

                         À Neusa Rocha

Tenho até medo
De olhar pro céu
E ver estrelas:
Vem chuvinha!...
Cai chuvinha!...
Dizia um post
No Facebook.
16/06/2012

POETAR  XV

Fazer poemas, poetar
É recolher a  poesia
Catada no dia-a-dia
Como flores do caminho
Ou pedras de tropeçar.
16/06/2012

 PORTEIRA ABERTA

Todo voo que baixa rasante
Por trás da estátua do laçador
Entrando no  poncho de Porto Alegre
Traz modismos de estranho  valor
E pousa ileso do laço do gaúcho
Que a pé, não laça mais nada
Vendo o pampa entregue aos javalis
Estático no pedestal de atração turística.
14/07/2012



JUVENTUDES EXTRAVIADAS
A pacata solidão juvenil do meu filho
Eu sofro com ele, por ele e mais do que ele
Nela revivo a solidão da minha juventude
Sem namoradas, sem beijos e sem sexo
E sei que esta carência prolongada
Provoca áridos bloqueios afetivos no peito
Por não ter sido regado pelo sereno do amor

Do solitário peito de emoções enclausuradas
Não saem as palavras e gestos espontâneos
Que possam semear conquistas amorosas
Passivos, torcemos pelas forças do destino
Para que haja uma conspiração cósmica
Que nos realize o encontro com a bem amada
Como diz Neruda:
“Que solidão errante até tua companhia!”
Aquela que fará fluir nossa afetividade represada.
                                                              07/01/2012

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